quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Os "poréns" da dicção, da voz e da vez...


             Três anos atrás, tornei-me, em nível da internet, num dos consulentes mais seríssimos e abnegados do Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (http://www.priberam.pt ), segundo o qual, a “dicção é a maneira de dizer ou de pronunciar”


            Concordo que seja mais fácil ter uma boa dicção em português e se for uma coisa que saia naturalmente tanto melhor, mas acho que nem sempre isso acontece. Já me aconteceu ouvir pessoas falando em português e não perceber metade das palavras...Acho que num trabalho radiofónico, além de se pôr tudo a soar bem, deve-se verificar se se percebe bem o que o locutor está a dizer.

          Há pessoas cujo tipo de sonoridade não dá muita importância à dicção, mas à maneira de as coisas se encaixarem na leitura do texto noticioso, o que inclui os sons que se tira da fala, isto porque a voz como instrumento não pode ser só colocada e afinada... Se a música tem uma letra, essa letra tem que ser ouvida e entendida, falasse o cantor português, umbundo ou inglês.

          Acho que este género de coisas faz parte da aprendizagem da vida de um radialista ávido em melhorar, é parte do trabalho dele, que não deve ser deixado para segundo plano, por quem quer que seja... 
Os problemas de sotaque e dicção por acaso irritam um bocado... Mas quando se lê sem atropelos isto é a melhor coisa.

          Não sou crítico de nenhuma coisa, nunca fui, nem tenho esse interesse, mas se eu fosse um daqueles que assistiram à intervenção de quem visou desvirtuar o empenho na perspectiva de voz de um ou de vários repórteres, porque a sua pronúncia os agrada pouco, não temeria represálias do Altíssimo em oferecer uma constelação a quem se proponha de exibir as cicatrizes psico-emocionais decorrentes do balde de água gelada a si despejado de modo indefeso.









A matriz de uma dicção deve obedecer a esses critérios:



  • Respiração correcta como base para uma dicção perfeita;
  • A correcta articulação das vogais e consoantes;
  • Empostação da voz falada;
  • Projecção, ritmo, variação e colorido da voz.
Falar da dicção, talvez seja inevitável, afinal trata-se de um elemento de ordem fonética de inegável importância na história da rádio e igualmente, por extensão, da TV, por isso é mais compreensível a expectativa e o interesse criados em torno de quem se propõe a (des) folhar sobre tal tema.

        Se a ideia era discutir convenientemente a dicção, sua importância e vantagem no contexto comunicativo, e apesar da redundância a que esta pretensão, há muito ansiada, foi inesperadamente transportada, a coragem de um desses que ainda continuam a pronunciar, seja lá em que ritmo sónico for, para comunicar a maioria esmagadora do público angolano, continua intacta, mais viva do que nunca. E acenando no horizonte um moderado tom de esperança, de tal sorte que o meu amigo (a) não se afogue à beira-mar, depois de enfrentar todas as hecatombes da maré misteriosa.
   
        Haja os entretanto que houver, o debate ainda é o evento onde a capacidade de uns e de outros ganha maior visibilidade quanto o aquecimento planetário. O repórter que é agraciado com a indicação de melhor, ou que se auto-intitula “pronunciador de elite” costuma despertar o interesse do público e da mídia. Exemplo disso está à vista de quem quiser ver, ler ou ouvir um dos presumíveis melhores repórteres que prefira balancear a fazer o balanço.

                           Divulgo a minha segura e incontroversa adesão às correntes opinativas avançadas sobre a indispensabilidade da pronúncia no exercício da profissão e respeitosamente na de rádio e televisão, aliás, é por esta razão soberana e (in) conveniente que genuinamente vimos reacender os nossos ainda parcos conhecimentos de que precisamos para reabrir um debate que se quer cada vez mais forte, solidário e enriquecedor.

                         Relevante ainda se torna que “pessoas estranhas ao serviço” não nos surpreendam nas redacções sob pena de nos coibir de secularizar o debate inserto no âmbito da trégua que queremos firmar com os erros sobejamente comuns, imprevistos, infelizes e alheios à nós.

                         Ora bem, não é menos verdade a tese humilde de que a pronúncia quando correcta e associada a um texto modesto contribui para uma interpretação feliz, factor sine qua non para o alcance da excelência da parte do jornalista que mesmo acorda sonha em ver um público bem informado.

                         Mas, como tudo na vida, existem excepções à regra, ou seja, não podemos e nem devemos levar ao martírio ou complexificar o caso de alguns escrevedores ou locutores hodiernos que, por “eme” razões a si alheias, não desfrutam, ainda que o queiram, presumivelmente a apetite de desfilar na passarela da voz da vez, uma pronúncia que agrade este ou aquele ouvinte ávido de receber no aparelho as pérolas de Fernando Pessoa ou até do Nobel da Literatura José Saramago, ambos de azarenta memória.

                        Quero com isto tentar dizer, sobretudo lembrar-vos de que o português é, e estou optimista de que sempre será, uma língua veicular, visto que foi implantada por força de circunstâncias históricas, como aprendemos nas classes de base. Sendo assim, não deve ser motivo de polémica o facto de alguns colegas cometerem erros de pronúncia, ou seja, deve haver aqui a solidariedade de quem se preze “ao nível do mar” de procurar, ainda que custe, ajudar alguns a superar certas inconveniências frásicas, por assim dizer.

                       Até porque, não me restam sombras de dúvidas de que se alguns têm uma pronúncia que se confunde com determinados falares genuínos de Portugal, descurando desde já os dos Açorianos, porque, como ouvimos, não costumam ler nenhum jornal lá no país do célebre Luís Vaz de Camões, poeta que morreu sem sequer uma conta bancária, tem a ver com o facto de terem tido a oportunidade cobiçável de comprar gramáticas a partir das editoras lisboetas, algarvias ou alentejanas.

                        Eu nasci na Ganda, quando numa sexta-feira o calendário gregoriano registava dia 20, mês Junho e ano de 1986. Tendo dois anos depois chegado a Benguela, porventura numa fase delicada em que minha mãe, sobre quem nunca falei em palco, estava radiante porque tinha consigo com êxito “jamais exitoso” me desamamentar.

                        Nas 47 casas por onde minha família e eu já passamos na qualidade de arrendatários, quiçá fossemos vencedores anónimos em arrendamento, a lufada de ar fresco que trazia um cheiro a poesia e a tão apregoada civilidade juntaram-se numa só fórmula e influíram na transformação da minha ainda hospitalizada pronúncia, à espera do soro da dicção para receber alta e ir festejar com o primeiro microfone, que eu encontrasse fosse como e onde fosse, mas devido à cegueira e à surdez de que este padece desde que foi gerado algures no mundo, não consegui ainda transformar a minha estimada voz numa música ambiente que agradasse a todos que visitam a dita acolhedora cidade das Acácias que rubram.

                        E, agora, o Umbundo, que eu deveria e poderia ter aprendido caso a guerra não me obrigasse a despedir-me sem sequer dizer adeus aos meus avós, escapou-me sem que eu o segurasse, porque ainda tinha as mãos mais dedicadas às bancadas daquela vizinha para comer ou, como gostavam de me acusar, furtar bolachas Maria salgadas sem recurso aos truques de Kung Fu. A ditadura do tempo não me vendeu a oportunidade de nascer na minha ainda interessada e ávida gramática cerebral o domínio e a fluidez dessa língua que é nacional.

                   Mas também defrontei-me com a desvantagem de afinal de contas não poder assimilar as milhentas entradas lexicais lusitanas, o que faz com que eu saiba umas coisas e outras não.

                    Longe de pretender polemizar um assunto espalhafatoso e percebível, talvez ainda possa me arriscar a dizer que se eu, tu, ele, nós, vós e eles tivessemos nascido em Cabinda, no Uíge, em Camacupa ou Kuito Cuanavale, não teríamos uma pronúncia igual a que teve Alda Lara, ou que tem aquele doutor da Universidade de Coimbra lá em Portugal.

                    Como gosto de assinalar o ponto final para não abdicar do laconismo, vale a pena dizer que se a dicção não vier ao encontro da voz nada acontecerá à vez no aquário, até porque o regionalismo, ainda que enteado, deve ser abraçado, porque é dele que continuamos a navegar nas galáxias gramáticas, ou seja, para nós estarmos aqui, foi um acto de coragem daquele professor que no seu dinsse, djoven e outras gorduras, vimo-nos na obrigação moral de ajudarmos com a mais alta solidariedade os nossos repórteres de cuja voz alguns fingem não aprender nada e nós prometemos continuar a entender dela a notícia da inauguração da escola.

                  Há os que pretendem, feliz e concorrentemente, realizar uma conferência de doadores de conhecimentos para que um dia os aviões voem mais baixo possível para não escamotear a beleza das nuvens, mas aguarda-se que este voo não abalroe contra mim nem contra ti, mesmo que a nossa pronúncia seja cacofónica.
Se improvisar recomenda-se para superar o declive da montanha russa que sub-repticiamente, então que se aposte na dicção angolana com todos os pontos nos “i” e traços nos “t”.

                  Para não haver mais poréns, é necessário apostar no estado emocional adequado para o sucesso de uma apresentação; na superação do medo e da inibição, criando um estado emocional apropriado para se expressar com espontaneidade e confiança; a preparação psicológica para desenvolver uma atitude mental positiva; o uso da energia interior a seu favor; desenvolvimento da autoconfiança e do entusiasmo e o desenvolvimento da expressividade.


Por José Honório 

1 comentário:

  1. É um assunto interessante. Gostei de a ele teres dedicado essa reflexão. Lembro-me bem de um certo desespero do meu instrutor, há uns 5 anos, aquando do estágio de locutor/noticiarista.

    Passa lá pelo meu Blog e veja uma crónica a propósito, as clicar neste link http://angodebates.blogspot.com/2010/12/cronica-ora-colhe-as-sementes-ora-tenta.html

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